Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


domingo, 21 de setembro de 2014

O CAVALO ESPANTADO, Alves Redol



«-E o cavalo amarelo [cavalgado pela Morte] espantou-se e vai pelo mundo com o freio nos dentes.»
«-Não foi só o cavalo amarelo que se espantou, Pedro. Espantaram-se os quatro. Foi por isso que fugi…» (p. 288)

A citação acima justifica o título do romance.
Pedro e Jadwiga referem-se aos cavalos dos Cavaleiros do Apocalipse: branco, Peste; vermelho, Guerra; negro, Fome e amarelo, Morte (destruindo pela fome, pela guerra e pela peste).

Alves Redol, apesar de ser considerado um dos marcos do neorrealismo português, neste romance dedica-se mais à análise psicológica das personagens, através de uma estratégia de narração que, penso, na altura era algo invulgar: as três personagens principais narram alternadamente a sua visão dos factor, existindo ainda um narrador fora da história. Isto permite a objetivação dos diferentes pontos de vista e um conhecimento mais íntimo das personagens.
Redol apresenta no prólogo do romance uma explicação sobre a envolvência da história e caracteriza desde logo as personagens principais, aliás titula este prólogo de “o escritor antecipa-se e fala das personagens antes que outros as encontrem e conheçam”.
Assim, as personagens são Leo e Jadwiga, casal de judeus austríacos fugidos da ameaça nazi, e Pedro, secretário de um consulado numa Lisboa «de aparência sonolenta, entroncamento de foragidos e espiões, vindos à babugem de sol e de sossego.», que apõem vistos de permanência nos passaportes deste casal apesar de ter praticamente a certeza de que são documentos falsos.
Eis um extracto da caracterização destas personagens feita pelo autor:
«Três personagens, dizia eu: dois homens e uma mulher na teia das frustrações…»
«…A mulher, austríaca […] cabotina e inquieta, loura, talvez bonita por causa dos seus olhos verdes…» para quem «a literatura é também agradável sedativo…»
Pedro, «homem taciturno, contraditório, ora abúlico, ora exaltado, quase sempre dramático, vivendo entre uma inteligência serena, rigorosa na aparência, e os instintos que a destruíam quando se soltavam da prisão construída por aquela.» Assim, «deambula entre o querer e o dever».
«Leo, homem de negócios, fora dos seus negócios é o marido, às vezes ciumento e ainda apaixonado pela mulher.»

Ora esta nunca o quis, apenas aceitou casar com ele para fazer a vontade ao pai, importante banqueiro judeu. Estão juntos apenas pela necessidade de viajarem como casal, pela compra daqueles passaportes falsos.
Ela tenta -aparentemente chega mesmo a apaixonar-se por Pedro-, que este lhe corresponda, mas ele consegue, neste caso, sobrepor a razão aos sentimentos, pois também ele a ama: «Nem um triângulo amoroso soubemos fazer.»

O livro é muito interessante do ponto de vista da análise de caracteres, mas também em relação à descrição do ambiente lisboeta na eminência da II Grande Guerra.

REDOL, Alves. O Cavalo Espantado. Portugália Editora, 1960

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