Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


segunda-feira, 4 de novembro de 2019

DIÁLOGOS POÉTICOS (2)

DIÁLOGOS POÉTICOS
A PROCISSÃO
PROCISSÃO

Nas ruas da nossa aldeia
Vai passando a procissão:
Tamborileiros à frente,
E logo atrás o pendão.

Mordomos da confraria
Levam os anjos p´la mão;
Muito grave, o juiz da festa
Dá ordens ao sacristão. *

Há colchas pelas varandas,
Alfazema pelo chão.
Lá vêm agora os andores,
Ricos andores que são!

O pálio é todo de seda;
Mete latim e sermão.
Parabéns, senhor Vigário,
A Festa faz um vistão. *

Adolfo Portela (1866-1923)

(*) Marcha musicada por Tomaz Borba (in “Toádas da Nossa Terra”, Lisboa, 1908 (p. 25)):

Procissão assim
Tão linda não há!
A música atrás.
Trá-lá-rá – Tachim! Tachim!
E há foguetes pelo ar,
Às dezenas, a estalar;
Zás-pás-trás!
Zás-pás-trás!
Zás-pás-trás!

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.
Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

António Lopes Ribeiro (1908-1995)
Camões, como era usual no seu tempo, utilizou a estética da imitação para superar.
Aqui também parece ter acontecido o mesmo. António Lopes Ribeiro (neste poema valorizado(?) por João Villaret) teria, presumo, conhecimento do poema de Adolfo Portela, mas escreveu uma composição com outro fôlego.