Nas minhas deambulações pelas feiras de velharias encontrei
um pequeno livro de poesia que me suscitou interesse apenas pelo facto de apresentar
uma dedicatória do autor, sendo que esta é de 1972 e o livro é de 1957.
Não sabia o significado de caipira, para além do que se
podia intuir de uma canção que diz “Sou caipira pira pora…” Fui ver. Significa
então, segundo o dicionário da Porto Editora, “Que ou quem mora no campo, na
roça.”
Comecei a ler os poemas e fiquei deslumbrado com a beleza da
linguagem que, naturalmente, é a dos caipiras. Aparecem várias palavras que me lembra de ouvir aos meus avós e que hoje, aqui em Portugal, ninguém diz.
Os poemas são pequenas hostórias de uma vivência rural: uma
delícia. Para além de um lado jocoso, apresenta uma vertente crítica muito
marcada. Malícia, inveja, incompreensão, homens farristas e mulheres escravas…
Aqui fica uma das composições que brinca com a consciência de que o caipira
sabe que fala um português arrevesado. (p. 88-90)
PRU MOR-DE A MANIA
"- Já oviu falá no cachorro
Do Nho Juca, não, Trindade,
Que sírre quano êle manda?
Pois ói, é a pura verdade.
É só Nho J uca mandá,
Sírre que dá gosto vê
Êle amostrá os dentinho!
Mai, otro dia, Don' Ana
(Que ocê sabe, é munto prosa,
Só pru que é porfessora)
Sôbe disso, e, de curiosa,
Mandô dizê pra Nho Juca
I na escola da fazenda,
Mai que levasse o cachorro:
Queria vê a "tar" prenda!
Nho Juca foi. E o cachorro
Feiz na escola um figurão!
Quem não gostô foi Don' Ana,
Pru que ficô cum carão…
Nho J uca falava: - Sirra,
E o cachorrinho sirria.
Don' Ana falava: "Ria"
E êle nem se mexia!…
A porfessora Don' Ana
Tem um modo de falá
Que a gente, ar-vêiz, num intende,
Quanto mai os alimá.
E é pru mor-de a mania
De istudá francêis, ingrêis,
Que essa gente da cidade
Fala má o portuguêis!"
AGUIAR, Jurandyr. CAIPIRAS DA MINHA TERRA. Edição de Autor.
Impresso por Ind. Gráfica Bentivegna, São Paulo)