Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


terça-feira, 25 de agosto de 2015

O LADRÃO DE SOMBRAS, Marc Levy


O livro apresenta a epígrafe: «Há pessoas que não abraçam senão sombras; essas têm somente a sombra da felicidade.» (“Some people kiss shadows. They only feel the shadow of joy.” – Mercador de Veneza), remetendo, entre outras, para a ideia de que as relações baseadas em fingimento estão condenadas ao insucesso, só a autenticidade poderá trazer aos intervenientes verdadeira alegria.

Romance de fácil leitura, muito apelativo que retrata cerca de 10 anos na vida de um rapaz especial: a sua sombra mistura-se ou troca com a de outras pessoas e, nesse processo, ele fica a saber factos importantes da vida da pessoa em causa, que ele usa sempre com a melhor das intenções, procurando tornar melhor a vida de todos aqueles com que se cruza.
A história começa a seguir a uma mudança de escola, onde tem de enfrentar o assédio, ainda que mitigado, de um colega mais corpulento. Depois surge a separação dos pais, da qual ele se sente erradamente responsável. Descreve também a maravilhosa relação que mantém com a mãe. Mostra como a percepção deste seu dom pode ser útil a toda a comunidade. E ainda entre outros temas menos relevantes o surgimento do amor e, aparentemente, como uma paixão juvenil consegue permanecer até à idade adulta, terminando o romance com um fim aberto, mas em que se vislumbra uma vida feliz para este rapaz que entretanto se tornou médico.

Transcreve-se a sinopse exarada na contracapa:

«No seu novo romance, Marc Levy conta a história de um rapazinho com um dom invulgar: ele consegue «roubar» as sombras das pessoas com quem se cruza. Ao princípio, acontece-lhe involuntariamente e isso chega a assustá-lo. Sempre que se cruza com alguém - seja um amigo, um inimigo ou um perfeito desconhecido -, a sombra da outra pessoa passa a segui-lo. Por vezes contra a vontade do rapaz, as sombras contam-lhe os mais profundos desejos, temores e aspirações das pessoas a quem pertencem. E o rapaz vê-se em mãos com um dom que traz uma grande responsabilidade: ao saber estes segredos, terá de ajudar as pessoas - ajudá-las a recuperar «essa pequena luz que lhes iluminará a vida». Durante umas férias de verão à beira-mar, apaixona-se por uma rapariga muda, chamada Cléa, com quem comunica através da sua sombra.
E a sombra deste primeiro amor acompanhá-lo-á durante anos... Mais tarde, o nosso «ladrão de sombras» torna-se estudante de Medicina, e debate-se com a questão de usar ou não o seu dom para ajudar a curar - tanto os seus pacientes como os seus amigos. Afinal, será ele verdadeiramente capaz de adivinhar o que poderá fazer felizes aqueles que o rodeiam? E ele próprio, saberá onde o espera a felicidade?
Um romance terno e divertido sobre os silêncios que assombram todos os nossos amores.»

LEVY, Marc. O ladrão de sombras. Bertrand, 2013.

sábado, 1 de agosto de 2015

QUE IMPORTA A FÚRIA DO MAR, Ana Margarida de Carvalho


            Primeiro romance da autora, filha do extraordinário escritor Mário de Carvalho, e que, de acordo com a informação incluída na badana, é licenciada em Direito, jornalista premiada, crítica cinematográfica, cronista e dramaturga.
            Este livro apresenta um número reduzido de personagens. Apenas o suficiente para a economia da narrativa, sendo que há duas personagens principais, cuja história, inicialmente, é apresentada de forma alternada: a de Joaquim, sobrevivente do campo de detenção do Tarrafal, e a de Eugénia, jornalista que quer contar a história de vida do primeiro. Posteriormente, as duas histórias fundem-se na narração de Eugénia que, na busca para compreender Joaquim se transfigura, encarnando mesmo em determinados momentos a idealização da amada de Joaquim, Luísa.
            Apresenta um estilo muito interessante, algumas vezes muito perto da poesia, principalmente nos capítulos introdutórios em que a história é vista numa perspectiva rasteira, perto do chão, onde jaz o maço de cartas de amor que Joaquim escrevera à sua amada, e que atirara pela janela do comboio, na viagem que o haveria de levar à deportação.
            A autora revela grande erudição nas múltiplas citações de cultura, abrindo a sua obra à intertextualidade. Reconhecem-se facilmente citações de Camões, Fernando Pessoa, Mário Sá Carneiro…, algumas identificadas, outras não. A nível da utilização da linguagem rebela-se contra o uso de lugares-comuns, do «cliché», no entanto reconhece-lhe o valor no estabelecimento de uma relação de empatia com o leitor, portanto não o irradica por completo do seu discurso, consciente da sua utilidade. Por outro lado, defende a verosimilhança e, no entanto, quanto a mim, é dificilmente crível, não a história de Joaquim, mas sim que da relação que estabelece com esse homem doente, algo demente, pudesse ser inferido aquilo que fica relatado.
            Ainda assim a história é extraordinária e muito bem contada, sendo que os indícios que foram sendo introduzidos ao longo das duas histórias, vêm a verificar-se. A surpresa pelo fim é apenas aparente pois, muito atrás, ficou implicito que ao mensageiro do amor se paga com amor.
            O título parece indicar que a história de Eugénia é mais importante do que a de Joaquim. O mar que marcou a sua infância em casa dos tios, um tio e duas tias, não é o mesmo que leva Joaquim ao Tarrafal.

Transcreve-se da contra-capa:
“Numa madrugada de 1934, um maço de cartas é lançado de um comboio em andamento por um homem que deixou uma história de amor interrompida e leva uma estilha cravada no coração. Na carruagem, além de Joaquim, viajam os revoltosos do golpe da Marinha Grande, feitos prisioneiros pela Polícia de Salazar, que cumprem a primeira etapa de uma viagem com destino a Cabo Verde, onde inaugurarão o campo de concentração do Tarrafal.
Dessas cartas e da mulher a quem se dirigiam ouvirá falar muitos anos mais tarde Eugénia, a jornalista encarregada de entrevistar um dos últimos sobreviventes desse inferno africano e cuja vida, depois do primeiro encontro com Joaquim, nunca mais será a mesma. Separados pelo tempo, pelo espaço, pelos continentes, pela malária e pelo arame farpado, os destinos de Joaquim e Eugénia tocar-se-ão, apesar de tudo, no pêlo de um gato sem nome que ambos afagam e na estranha cumplicidade com que partilham memórias insólitas, infâncias sombrias e amores decididamente impossíveis.”

Este romance foi finalista do Prémio Leya em 2012 e ganhou em 2014 o Grande Prémio de Romance e Novela APE.

CARVALHO, Ana Margararida de. Que importa a fúria do mar. Teorema, 2013.