Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


domingo, 1 de março de 2015

HALO DO EQUINÓCIO, Santiago Prezado



João Maria Sant’Iago-Prezado (1883-1971)

Poeta figueirense, republicano e democrata, contemporâneo de Teixeira de Pascoaes, João Lúcio, Augusto Gil, João de Barros, Afonso Duarte… editou o seu 1.º livro, Primeiros Versos, em 1902, e Halo do Equinócio (Ilustrado por Figueiredo Sobral), que é o seu último, em 1959.
Colaborou nas revistas Atlântida, Águia e Seara Nova.
A Câmara Municipal da Figueira da Foz, no centenário do seu nascimento, editou Antologia de Circunstância que ficara inédita.

Outras obras:
Doze canções d'amor d'o livro do amor e da natureza, 1914
Entre a folhagem, 1924
Livrinho memorial, 1925
Auto dos Pastores Brutos, 1926
Avto da pastora perdida e da velha gaiteira, 1944
Joaninha dos olhos verdes, 1946
Hespéride, 1946
Pelo verde pinheiral florido : ai flores, ai flores do verde pyno, 1948
D'a roda dos meses d'A horta do mestre gil e mais, 1951
Removendo os cadáveres : impressão de outono nos parques de Vichy, 1951
O pinhal das dunas : é a luta heroica entre o pinhal e as dunas!, 1953
Portal do Estio, 1988 (Ed. póstuma)



Eis dois poemas de Halo do Equinócio:

AS ANDORINHAS E OS TORDOS

TEMA DA TRADIÇÃO POPULAR
MAL do Outono é a quadra anunciada
as andorinhas partem de abalada.

Partem levando toda a criação
dos filhos que cá nasceram,
com o quê assim os bandos mais cresceram;
c atravessando o mar todas lá vão.

Mas quando elas se vão, os tordos vêm
da sua viagem também;
mas esses menos que quando abalaram,
pela grande caçada que lhes deram
naquelas terras lá por onde andaram.

E ao cruzarem-se os bandos a voar,
gritam as andorinhas lá do ar:

Donde vindes, tordos loucos,
que fostes tantos e vindes poucos?

E perguntam-lhes eles sem parar:

Donde vindes, andorinhas,
que fostes poucas e tantas vindes?

E assim ao seu destino cada bando,
por sobre o mar lá segue voando...
voando. .

DIAS VIRÃO


            DIAS virão,
em que todos os bens exteriores
te darão só temores
e ao teu espírito a inquietação.

            Dias virão,
em que todas as tuas falsas glórias,
como falsas que são,
por tais as tomarás, e transitórias.

Dias virão,
em que os fúteis prazeres que sentias
gozo te não darão,
vazios dele a alma e esses dias.

Dias virão,
em que as mundanas cousas, ao redor
do teu cansaço delas, deixarão
dentro de ti um vácuo ainda maior.

            Dias virão,
em que uma íntima voz perguntará
à tua própria razão
o que de bom e de útil deixas cá.

Dias virão,
em que um só bem te pode aproveitar;
e perdido o terás sem remissão
se o não soubeste ganhar.

Dias virão,
em que através a frágil contingência
de tudo a ti postiço, e inglório, e vão,
te acharás só com tua consciência.

Dias virão,
em que, volvendo atrás o teu olhar,
seu veredicto escutarás então
ou para te absolver, ou condenar.

Dias virão,
em que o passado, neles revivido,
te dará a moral avaliação
do que ganhado tenhas, ou perdido,

Dias virão,
em que, sem mais consolo nem escudo,
vendo que os bens de ti todos se vão,
se esse, interior, não tens, perdido é tudo!

Biografia:
Colóquio Letras, n.º 92, julho de 1986.