Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O ÚLTIMO CABALISTA DE LISBOA, Richard Zimler



Richard Zimler fala fluentemente o português, no entanto escreve os seus livros em inglês, que depois são traduzidos para a nossa língua por outrem. Isto deve-se ao facto de o autor querer manter a fluência na sua língua nativa, portanto lê, fala e escreve em inglês. Naturalmente não é despicienda a abrangência, a nível de mercado, da sua língua mãe.
É um homem versado em religião, tendo-se formado em Religiões Comparadas. É judeu, mas, segundo o próprio, não muito empenhado. Julgo ter entendido, de uma conversa sua com leitores, que será assim como que o nosso católico tradicional.
A O último cabalista de Lisboa poderemos chamar de romance histórico, pois o autor retrata com grande fidelidade os acontecimentos ocorridos em Abril de 1506. Para isso documentou-se sobre a disposição espacial da Lisboa de então, sobre alimentação, vestuário, etc. Por outro lado, parece um romance policial, pois ocorre um crime e a ação desenvolve-se na procura do culpado.
De acordo com a introdução, o autor descobre manuscritos de Berequias Zarco escritos entre 1507 e 1530 e propõe-se contar-nos o que aí leu. Esta estratégia permite-lhe transformar o escritor em narrador, ou seja, em vez de apresentar os manuscritos, assume que seleciona deles o que é relevante e que verterá o discurso no seu próprio estilo.
O essencial da ação decorre na Páscoa de 1506, durante e após o massacre de cerca de 2000 cristãos-novos, judeus que tinham sido forçados a converter-se ao cristianismo em 1497. Quando da conversão Berequias, o protagonista, fora batizado com o nome de Pedro.
Pedro Zarco é um  jovem com cerca de vinte anos que vai ter de deslindar as circunstâncias em que ocorre a morte do tio, que pelas evidências encontradas não pode ser assacada â sanha dos cristãos-velhos.
O tio era um grande cabalista e Berequias seu discípulo. É um homem surpreendentemente dotado de perspicácia e da capacidade de antever o futuro.
O seu assassino tem de ser um dos iniciados na Cabala que frequentam a cave dos Zarco, a qual, para além de lugar secreto de culto, era também onde a família exercia a sua atividade de copistas e de pintores de iluminuras de livros sagrados judeus. Aí se guardavam algumas preciosidades bibliófilas e os livros que depois de prontos eram traficados para a Europa.
À medida que Berequias / Zarco descobre o que ocorreu naquele dia fatídico, vai conhecendo melhor o seu tio, mas também vai questionando a sua própria existência e a sua relação com Deus. Percebe também que tem de deixar Portugal para garantir a continuidade da sua família e, mais surpreendente, que o seu tio antevira que o sacrifício da sua vida poderia ser o acontecimento que despoletaria e garantiria a fuga para Constantinopla dos Zarco.

sábado, 9 de novembro de 2013

O ATALHO DOS NINHOS DE ARANHA, Italo Calvino



Este é o primeiro livro do autor e foi muito bem aceite. Retrata a resistência à dominação germânica e é por alguns integrado no Neorrealismo italiano.
O romance passa-se durante o período em que Benito Mussolini governa Itália (1922-1943) e foi publicado pela 1.ª. vez em 1947, tendo o regime fascista acabado em Itália em 1945.
Pin com a sua «voz rouca de menino velho» confronta todos com quem se cruza, expondo os seus defeitos e vícios, apesar de muitas vezes ser de seguida espancado. Órfão de mãe, abandonado pelo pai, ajudante de sapateiro é um grande observador e conhece todos os podres da viela que habita. Dá-se com os grandes, mas gostava de ser como os outros rapazes, que o desprezam precisamente por se dar com os mais velhos e por ser enfezado. Na taberna canta canções ordinárias que lhe foram ensinadas pelos adultos, que, quando se fartam de o ouvir, lhe batem. Faz tudo isto «para dissipar a solidão».
Um dia, após roubar uma pistola a um marinheiro alemão, acaba por ir parar a um grupo de resistentes, que o tratam razoavelmente, mas que ele provoca como provocava os homens que frequentavam a taberna do seu beco.
Este destacamento, que adopta Pin, é muito especial, pois é formado por elementos desgarrados e pouco conhecedores da razão pela qual lutam.
Só o comissário Kim percebe, uma vez que o facto de estarem juntos é da sua responsabilidade. Aliás este comissário é uma espécie de psicólogo que vai estudando os homens e que para isso cria as situações para analisar os comportamentos dos resistentes. Este comissário pode até reflectir a passagem de Italo Calvino pela resistência, onde como partigiano terá tido oportunidade de analisar comportamentos e motivações.
Em resumo: Pin é uma criança perdida, tão depressa adoptada como abandonada, num mundo de adultos; pode ser mesmo, em alguns momentos, metáfora da própria Itália que não sabe bem se será melhor colaborar com os alemães – nota-se a sedução exercida pelas fardas e são apresentadas personagens que ora lutam por um lado ora pelo outro – ou combatê-los.

Nota: É uma obra muito diferente de Palomar, embora já se possa vislumbrar uma grande capacidade de problematizar o mundo e deixar no ar muitas interrogações.


CALVINO, Italo. O atalho dos ninhos de aranha. Portugália Editora (Coleção: O livro de Bolso. N.º 3).