Richard Zimler fala fluentemente o português, no entanto
escreve os seus livros em inglês, que depois são traduzidos para a nossa língua
por outrem. Isto deve-se ao facto de o autor querer manter a fluência na sua
língua nativa, portanto lê, fala e escreve em inglês. Naturalmente não é
despicienda a abrangência, a nível de mercado, da sua língua mãe.
É um homem versado em religião, tendo-se formado em
Religiões Comparadas. É judeu, mas, segundo o próprio, não muito empenhado.
Julgo ter entendido, de uma conversa sua com leitores, que será assim como que
o nosso católico tradicional.
A O último cabalista
de Lisboa poderemos chamar de romance histórico, pois o autor retrata com
grande fidelidade os acontecimentos ocorridos em Abril de 1506. Para isso
documentou-se sobre a disposição espacial da Lisboa de então, sobre
alimentação, vestuário, etc. Por outro lado, parece um romance policial, pois
ocorre um crime e a ação desenvolve-se na procura do culpado.
De acordo com a introdução, o autor descobre manuscritos de
Berequias Zarco escritos entre 1507 e 1530 e propõe-se contar-nos o que aí leu.
Esta estratégia permite-lhe transformar o escritor em narrador, ou seja, em vez
de apresentar os manuscritos, assume que seleciona deles o que é relevante e
que verterá o discurso no seu próprio estilo.
O essencial da ação decorre na Páscoa de 1506, durante e após
o massacre de cerca de 2000 cristãos-novos, judeus que tinham sido forçados a
converter-se ao cristianismo em 1497. Quando da conversão Berequias, o protagonista,
fora batizado com o nome de Pedro.
Pedro Zarco é um
jovem com cerca de vinte anos que vai ter de deslindar as circunstâncias
em que ocorre a morte do tio, que pelas evidências encontradas não pode ser
assacada â sanha dos cristãos-velhos.
O tio era um grande cabalista e Berequias seu discípulo. É
um homem surpreendentemente dotado de perspicácia e da capacidade de antever o
futuro.
O seu assassino tem de ser um dos iniciados na Cabala que
frequentam a cave dos Zarco, a qual, para além de lugar secreto de culto, era
também onde a família exercia a sua atividade de copistas e de pintores de
iluminuras de livros sagrados judeus. Aí se guardavam algumas preciosidades
bibliófilas e os livros que depois de prontos eram traficados para a Europa.
À medida que Berequias / Zarco descobre o que ocorreu
naquele dia fatídico, vai conhecendo melhor o seu tio, mas também vai
questionando a sua própria existência e a sua relação com Deus. Percebe também
que tem de deixar Portugal para garantir a continuidade da sua família e, mais
surpreendente, que o seu tio antevira que o sacrifício da sua vida poderia ser
o acontecimento que despoletaria e garantiria a fuga para Constantinopla dos
Zarco.