MARIO VARGAS LLOSA, 1936 (Prémio Nobel da Literatura, 2010)
A história ocorre, no Peru, nos anos da ditadura de Fujimori
(1990-2000). Este é apenas referido, relevando apenas a controvérsia da sua
naturalidade, pois não é absolutamente claro que tenha nascido no Peru, o que
não lhe permitiria ser presidente. A figura principal em relação ao poder é um Doutor que tudo controla, incluindo o
presidente.
O que está aqui em causa é o poder e a corrupção que este
suscita, segundo John Dalberg-Acton: «O poder corrompe. O poder absoluto
corrompe absolutamente».
No romance o doutor
Montesinos é aquele que verdadeiramente manda no país. Através dos meios de
informação, domina os seus adversários, explorando as suas fraquezas e os seus
vícios, se necessário inventados, recorrendo a chantagem e até ao assassínio.
Existem seis personagens com responsabilidades várias no
desenlace.
O livro começa por estabelecer a relação homossexual entre
Chabela e Marisa, mulheres de poderosos homens, a primeira de um advogado
conceituado, a segunda de um industrial mineiro. Ambos ricos e respeitados pelo
regime.
A relação entre as duas mulheres, amigas desde sempre,
parece nascer de um caso fortuito: a necessidade de Chabela passar a noite em
casa de Marisa, visto que há recolher obrigatório e, entretidas a conversar,
não terem dado conta do passar do tempo. No entanto isto poderia ficar por
aqui, mas a relação mantém-se e agrada-lhes.
Henrique, marido de Marisa, algum tempo atrás estivera numa
orgia da qual existem fotografias. É-nos mostrado como que quase inocente, em
que tivera o comportamento que tivera apenas devido a ter bebido demais e consumido
drogas. O marido de Chabela virá a defendê-lo quando o caso é publicitado.
A publicação das fotografias ficará a dever-se a um jornal
de escândalos, Destapes, cujo diretor – no fim deste texto transcreve-se o modo
como é retratado –, fracassando um tentativa de chantagem, decide publicá-las.
Surge também uma jornalista do mesmo tabloide que redige o texto e virá a ter,
alegadamente, a responsabilidade da queda do regime.
Há nesta ficção muito de realidade, nomeadamente na
existência de um doutor Montesinos, que terá sido o braço direito do ditador
Fujimori. O poder é visto como presa fácil para homens medíocres e sem
escrúpulos, o jornalismo, principalmente o dos tabloides é apresentado como uma
arma de arremesso desse poder corrupto e manipulador.
A reduzida estatura dos dois jornalistas de escândalos,
Rolando Garro e Retaquita, será a assunção, por M.V.L., da menoridade deste
jornalismo. No entanto é Retaquita que, apesar da sua insignificância, apeia
do poder o homem forte do regime e, segundo o romance, o seu títere, Fujimori,
sem outra arma que o dito jornalismo menor, ainda que aproveitando a caixa de
ressonância do jornalismo mais sério. O livro poderá levar-nos a pensar que atualmente o jornalismo tem perdido o seu papel informativo em detrimento do
entretenimento.
Em contrapartida os poderosos são muito bem vestidos de corpo: os homens elegantes e
as mulheres belíssimas.
Retrato do diretor do Destapes
visto pelos olhos de Enrique Cardenas, Quique:
«O seu andar
tarzanesco, esbracejando e rebolando-se como o rei da selva? O sorrisinho
tatoneiro que lhe encolhia a testa sob aqueles cabelos lambidos e colados ao
crânio como um capacete metálico? As calças apertadas de veludo cotolê que
cingiam como uma luva o corpinho apertado? Ou aqueles sapatos amarelos com
grossas solas para fazer crescer a sua figura? Tudo nele lhe pareceu feio e
piroso.» …
«Tinha uma vozinha
estridente e parecia estar a troçar, com uns olhos pequeninos e movediços, um
corpinho raquítico, e Enrique reparou até que cheirava mal… usava casaquinho
azul muito cintado e uma gravata furta-cores que parecia estrangulá-lo. Tudo
nele era minúsculo, incluindo a voz.» (p. 21)
Da história desta personagem, o narrador adverte-nos de que
foi adotado e que fugiu quando os pais adotivos lhe revelaram não serem os
seus pais biológicos. Rouba-lhes as economias e desaparece, vivendo de
expedientes até encontrar o filão do jornalismo de escândalos.
Repare-se que o uso do diminutivo acrescenta um ar
caricatural à já reduzida figura deste homem.
É também de forma caricatural que é apresentada Retaquita,
significando esta alcunha, atarracadita.
Importa referir, embora não diga respeito diretamente a
este livro, e não pretendendo acrescentar nenhum juízo de valor, apenas um
facto, que M. V. Llosa perdeu a eleição para a presidência do Peru,
precisamente, contra Fujimori.
LLOSA, Mario Vargas. Cinco Esquinas. Quetzal, 2016
LLOSA, Mario Vargas. Cinco Esquinas. Quetzal, 2016
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