Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

CINCO ESQUINAS, Mario Vargas Llosa


MARIO VARGAS LLOSA, 1936 (Prémio Nobel da Literatura, 2010)

A história ocorre, no Peru, nos anos da ditadura de Fujimori (1990-2000). Este é apenas referido, relevando apenas a controvérsia da sua naturalidade, pois não é absolutamente claro que tenha nascido no Peru, o que não lhe permitiria ser presidente. A figura principal em relação ao poder é um Doutor que tudo controla, incluindo o presidente.
O que está aqui em causa é o poder e a corrupção que este suscita, segundo John Dalberg-Acton: «O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente».
No romance o doutor Montesinos é aquele que verdadeiramente manda no país. Através dos meios de informação, domina os seus adversários, explorando as suas fraquezas e os seus vícios, se necessário inventados, recorrendo a chantagem e até ao assassínio.

Existem seis personagens com responsabilidades várias no desenlace.
O livro começa por estabelecer a relação homossexual entre Chabela e Marisa, mulheres de poderosos homens, a primeira de um advogado conceituado, a segunda de um industrial mineiro. Ambos ricos e respeitados pelo regime.
A relação entre as duas mulheres, amigas desde sempre, parece nascer de um caso fortuito: a necessidade de Chabela passar a noite em casa de Marisa, visto que há recolher obrigatório e, entretidas a conversar, não terem dado conta do passar do tempo. No entanto isto poderia ficar por aqui, mas a relação mantém-se e agrada-lhes.
Henrique, marido de Marisa, algum tempo atrás estivera numa orgia da qual existem fotografias. É-nos mostrado como que quase inocente, em que tivera o comportamento que tivera apenas devido a ter bebido demais e consumido drogas. O marido de Chabela virá a defendê-lo quando o caso é publicitado.
A publicação das fotografias ficará a dever-se a um jornal de escândalos, Destapes, cujo diretor – no fim deste texto transcreve-se o modo como é retratado –, fracassando um tentativa de chantagem, decide publicá-las. Surge também uma jornalista do mesmo tabloide que redige o texto e virá a ter, alegadamente, a responsabilidade da queda do regime.

Há nesta ficção muito de realidade, nomeadamente na existência de um doutor Montesinos, que terá sido o braço direito do ditador Fujimori. O poder é visto como presa fácil para homens medíocres e sem escrúpulos, o jornalismo, principalmente o dos tabloides é apresentado como uma arma de arremesso desse poder corrupto e manipulador.

A reduzida estatura dos dois jornalistas de escândalos, Rolando Garro e Retaquita, será a assunção, por M.V.L., da menoridade deste jornalismo. No entanto é Retaquita que, apesar da sua insignificância, apeia do poder o homem forte do regime e, segundo o romance, o seu títere, Fujimori, sem outra arma que o dito jornalismo menor, ainda que aproveitando a caixa de ressonância do jornalismo mais sério. O livro poderá levar-nos a pensar que atualmente o jornalismo tem perdido o seu papel informativo em detrimento do entretenimento.
Em contrapartida os poderosos são muito bem vestidos de corpo: os homens elegantes e as mulheres belíssimas.

Retrato do diretor do Destapes visto pelos olhos de Enrique Cardenas, Quique:
«O seu andar tarzanesco, esbracejando e rebolando-se como o rei da selva? O sorrisinho tatoneiro que lhe encolhia a testa sob aqueles cabelos lambidos e colados ao crânio como um capacete metálico? As calças apertadas de veludo cotolê que cingiam como uma luva o corpinho apertado? Ou aqueles sapatos amarelos com grossas solas para fazer crescer a sua figura? Tudo nele lhe pareceu feio e piroso.» …
«Tinha uma vozinha estridente e parecia estar a troçar, com uns olhos pequeninos e movediços, um corpinho raquítico, e Enrique reparou até que cheirava mal… usava casaquinho azul muito cintado e uma gravata furta-cores que parecia estrangulá-lo. Tudo nele era minúsculo, incluindo a voz.» (p. 21)

Da história desta personagem, o narrador adverte-nos de que foi adotado e que fugiu quando os pais adotivos lhe revelaram não serem os seus pais biológicos. Rouba-lhes as economias e desaparece, vivendo de expedientes até encontrar o filão do jornalismo de escândalos.
Repare-se que o uso do diminutivo acrescenta um ar caricatural à já reduzida figura deste homem.
É também de forma caricatural que é apresentada Retaquita, significando esta alcunha, atarracadita.

Importa referir, embora não diga respeito diretamente a este livro, e não pretendendo acrescentar nenhum juízo de valor, apenas um facto, que M. V. Llosa perdeu a eleição para a presidência do Peru, precisamente, contra Fujimori.

LLOSA, Mario Vargas. Cinco Esquinas. Quetzal, 2016

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