Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

HIPÁLAGE



HIPÁLAGE: «Processo de valorização estilística que consiste na atribuição a um objecto de uma característica que, na realidade, pertence a outro com o qual está relacionado. Transposto na frase, o adjectivo aparece muito frequentemente nesta construção, ligando ao objecto uma característica moral pertencente ao sujeito (ex.:”...com um barretinho de seda enterrado melancolicamente até ao cachaço”.»

Não sendo uma entrada normal neste blogue, tem a ver com a leitura e com a fruição desta. Aqui ficam alguns exemplos deste recurso estilístico que é muito interessante e produtivo.
Grandes escritores de língua portuguesa utilizaram-no, frequentemente com muita ironia. Em relação a Eça de Queirós é referido como um dos seus traços estilísticos, Mais recentemente Lobo Antunes tem-se servido dele copiosamente.

AMADO, Jorge. Suor. Record, 44.ª ed., 1986

«...de negras que sorriam com dentes amigos.» (p. 33)
«O mendigo descia a ladeira com o passo tardio.» (p.40)


No primeiro caso as negras serão amigas e não os seus dentes, e no  segundo quem estará atrasado é o mendigo … não os seus passos.


ANTUNES, António Lobo. A Explicação dos Pássaros

«...pela porta aberta da cozinha avistava-se uma vassoura diligente a varrer os azulejos do chão.» (p. 78)
«Às sextas-feiras uma mulher a dias da tua raça corria um pano distraído e inócuo pela porcaria amontoada..» (p.95)


BAPTISTA-BASTOS, A colina de Cristal. Edições Asa, 4ª ed., 2000

«O restolhar de botas impacientes e de frases sacudidas.» (p. 148)
«Lá estava o olho vigilante, o olho turvo. Lá estava, vertiginoso, o olho atento. O olho triste, o olho lúgubre.» (p.157)


JORGE, Lídia. O Jardim sem Limites, Círculo de Leitores, 1996

«O jornalista imberbe tinha começado a tomar notas com uma caneta rápida.» (p.50)


LEIRIA, Mário-Henrique. Novos Contos do Gin. Editorial Estampa, 5.ª ed., 1999.

«- Também creio, meu general! afirmou, disciplinado e respeitoso o capitão. Puxou da pistola de ordenança e disparou um tiro correcto na nuca do general.» (p. 53).
«No alto, atrás da aresta rochosa que dominava a colina, observou discretamente, na procura preocupada do ruído escutado.» (p. 63)


MIGUÉIS, José Rodrigues. Gente da Terceira Classe

«Daí a pouco o tio, de chapéu severo na cabeça...» (p.258)
«Um galo rouquejou em voz molhada...» (p. 261)


NAMORA, Fernando. O Homem disfarçado, Arcádia, 3.ª ed.

«E João Eduardo aproveitou a pausa para ensaboar rapidamente as mãos enojadas.» (p. 157)


ORTIGÃO, Ramalho. Farpas

«- E, tendo descalçado uma das luvas azuis, comprimia com mão nervosa o alto da sua pequena cabeça de galo...»



PIRES, José Cardoso, A República dos Corvos. 1.ª ed., 1988

«O Juiz, na sua mesa solitária, ficou à espera...» (p.39)
«Estendeu uma mão distraída para o rádio e ligou.» (p. 65)





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