Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


terça-feira, 28 de janeiro de 2014

AMADA VIDA, Alice Munro



Conjunto de contos que se podem classificar de realistas, não o realismo do séc. XIX, nem o neorrealismo do séc. XX. Não apresenta o ser humano como um aleijão ou corrompido pela sociedade, nem tão pouco uma luta de classes, promovendo a emancipação dos fracos. Apresenta histórias de gente simples sem qualquer grandiosidade ou genialidade, gente vulgar, com histórias vulgares que a mestria da escritora conseguiu tornar interessantes.
Os contos, na sua maioria, são narrados por alguém, normalmente uma mulher, que lembra o seu passado, pondo frequentemente em dúvida se as memórias são completas ou mesmo corretas.
Alguns dos temas tratados são: a doença física ou mental; a procura de uma felicidade imediata e algo amoral para vencer o tédio de uma relação duradoura e rotineira; a educação falhada; o preconceito; o orgulho estúpido e obstinado; o valor do dinheiro e dos afetos; a dificuldade de se assumirem responsabilidades.
A autora dá aos seus leitores algumas indicações de como devem lê-la. Tal como na página 81 «"A nossa casa fica ao lado da saibreira velha, na estrada da estação de serviço."», em que implica pelo menos um outro eu, o marido, e eventualmente a filha que narra, um lugar que já não funciona como tal “a saibreira velha”, o facto de a casa ficar fora da localidade, etc. O leitor deve ser capaz de imaginar o resto, de colmatar as lacunas que propositadamente deixa em aberto. Somos também avisados de que os contos são autobiográficos, principalmente os últimos três, no entanto não devemos esquecer de que o que estamos a ler é ficção, suscetível de invenção e criatividade. Ironicamente, no último conto, que dá título ao livro, diz-nos «…isto não é um conto, mas apenas a vida…» (p. 255), mas logo à frente afirma que contar a vida «Em ficção não daria resultado.» (p. 256).

Algumas frases interessantes:
«Aceita tudo, e a tragédia desaparece. Ou pelo menos torna-se mais leve…» (.p 95).
«Havia muita coisa que os homens odiavam. Ou que não sabiam para que servia, como eles diziam. E isso era a pura verdade. Eles não sabiam para que servia, e por isso odiavam.» (p.108).
«…sabia que os livros existiam porque havia pessoas que se sentavam a escrevê-los. Não surgiam do nada. Mas o que ele se perguntava era porquê. Já havia livros escritos aos montes. Dois deles, tivera de os ler na escola […] o que o intrigava […] era que alguém se sentasse a escrever mais um…» (p. 158).
«Quem é capaz de dizer a um poeta a coisa perfeita acerca da sua poesia?» (p. 211).

MUNRO, Alice. AMADA VIDA. Relógio d’Água, 2013.

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