Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


segunda-feira, 21 de abril de 2014

JOSÉ, Rubem Fonseca




Tal como em Bufo & Spallanzani este livro debruça-se sobre a escrita e os processos criativos. No entanto este é assumidamente autobiográfico.
José, o protagonista, nasceu numa cidade de Minas Gerais (Juiz de Fora «ele se orgulha de ter nascido em Minas, gosta quando o chamam de escritor mineiro» (p.41)), tal como José Rubem Fonseca, e como ele foi depois viver para o Rio de Janeiro, ainda que a vida do José personagem seja situada num tempo anterior à do José autor.
O livro é um relato de vivências desde criança até uma idade entre 20 e 30 anos: «José [1] resolveu seguir o exemplo de Isaac Beshevis Singer, que ao escrever a sua autobiografia parou nos 30 anos. José resolveu parar um pouco mais cedo.» (p.111)
Na infância é um garoto que, metaforicamente, vive em Paris, pois consome toda a literatura francesa que existe em sua casa e que uma tia lhe envia, desligando-se da vida em torno, que mais tarde virá a apreciar.
No período em que vive em Minas a sua família é rica, mas acaba por perder esse estatuto. Mudam-se para o Rio e enfrentam a adversidade com grande coragem.
José com doze anos encontra o seu primeiro emprego como “entregador”: «Entre as muitas profissões que José teve em sua vida essa de entregador foi a mais agradável de todas, certamente mais prazerosa do que a de escritor.» (p.29). A primeira permite-lhe calcorrear toda a cidade e conhecer assim minuciosamente a sua geografia o que se virá a relevar útil na actividade de escritor; a última parece impor-lhe saudades da infância, pois é menos agradável que a primeira, e levá-lo pelos caminhos tortuosos da memória.
Para além da literatura, logo de miúdo, interessa-se pelo cinema e consegue assistir a muitos filmes através de um estratagema que lhe permite entrar numa das várias salas de projecção existentes sem ser detectado.
O romance vai fazendo, como se decorresse das próprias vivências de José, a história do Rio de Janeiro, nomeadamente a nível de diversas manifestações sociais e dos costumes e moral a elas ligados. Há ainda algumas incursões ao passado, relatando o que ouviu a familiares, como é o caso de factos relacionados com as lutas liberais portuguesas (D. Pedro e D. Miguel em litígio pela coroa portuguesa).
A propósito do Carnaval, assunto com lugar de relevo e alvo de magníficas descrições, critica a licenciosidade dos bailes carnavalescos para gente fina, valorizando o divertimento do povo na rua pela sua autenticidade.
José que, como atrás ficou dito, se torna escritor, deixa-nos a receita: saber ler; motivação; paciência; imaginação e coragem para dizer o que é proibido dizer (ver p. 95).
Certamente que Rubem Fonseca fala de si ao longo do livro, v.g., afirma recorrentemente que José escreveu sobre isso  noutro lado, remetendo nitidamente para os seus livros. No entanto «…todo o relato autobiográfico é um amontoado de mentiras – o autor mente para o leitor, e mente para si mesmo.» (p.7)


[1] No entanto este não é um relato de primeira pessoa. É uma outra entidade, o que cria um certo desconforto para o género memorialista.

FONSECA, Rubem. JOSÉ. Sextante, 2012


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