Tal como em Bufo & Spallanzani este livro
debruça-se sobre a escrita e os processos criativos. No entanto este é
assumidamente autobiográfico.
José, o protagonista, nasceu numa cidade de Minas Gerais (Juiz
de Fora «ele se orgulha de ter nascido em
Minas, gosta quando o chamam de escritor mineiro» (p.41)), tal como José
Rubem Fonseca, e como ele foi depois viver para o Rio de Janeiro, ainda que a
vida do José personagem seja situada num tempo anterior à do José autor.
O livro é um relato de vivências desde criança até uma
idade entre 20 e 30 anos: «José [1]
resolveu seguir o exemplo de Isaac Beshevis Singer, que ao escrever a sua
autobiografia parou nos 30 anos. José resolveu parar um pouco mais cedo.»
(p.111)
Na infância é um garoto que, metaforicamente, vive em
Paris, pois consome toda a literatura francesa que existe em sua casa e que uma
tia lhe envia, desligando-se da vida em torno, que mais tarde virá a apreciar.
No período em que vive em Minas a sua família é rica, mas
acaba por perder esse estatuto. Mudam-se para o Rio e enfrentam a adversidade
com grande coragem.
José com doze anos encontra o seu primeiro emprego como
“entregador”: «Entre as muitas profissões que José teve em sua vida essa de entregador
foi a mais agradável de todas, certamente mais prazerosa do que a de escritor.»
(p.29). A primeira permite-lhe calcorrear toda a cidade e conhecer
assim minuciosamente a sua geografia o que se virá a relevar útil na actividade
de escritor; a última parece impor-lhe saudades da infância, pois é menos
agradável que a primeira, e levá-lo pelos caminhos tortuosos da memória.
Para além da literatura, logo de miúdo, interessa-se pelo
cinema e consegue assistir a muitos filmes através de um estratagema que lhe
permite entrar numa das várias salas de projecção existentes sem ser detectado.
O romance vai fazendo, como se decorresse das próprias vivências
de José, a história do Rio de Janeiro, nomeadamente a nível de diversas
manifestações sociais e dos costumes e moral a elas ligados. Há ainda algumas
incursões ao passado, relatando o que ouviu a familiares, como é o caso de
factos relacionados com as lutas liberais portuguesas (D. Pedro e D. Miguel em
litígio pela coroa portuguesa).
A propósito do Carnaval, assunto com lugar de relevo e alvo
de magníficas descrições, critica a licenciosidade dos bailes carnavalescos
para gente fina, valorizando o divertimento do povo na rua pela sua
autenticidade.
José que, como atrás ficou dito, se torna escritor,
deixa-nos a receita: saber ler; motivação; paciência; imaginação e coragem para
dizer o que é proibido dizer (ver p. 95).
Certamente que Rubem Fonseca fala de si ao longo do livro, v.g.,
afirma recorrentemente que José escreveu sobre isso noutro lado, remetendo nitidamente para os
seus livros. No entanto «…todo o relato autobiográfico é um
amontoado de mentiras – o autor mente para o leitor, e mente para si mesmo.»
(p.7)
[1]
No entanto este não é um relato de primeira pessoa. É uma outra entidade, o que
cria um certo desconforto para o género memorialista.
FONSECA, Rubem. JOSÉ. Sextante, 2012
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