«Isto passou-se há
mais de 20 anos”, ou seja, situa-se a ação antes de 1987, por altura da
adesão à C.E., agora C.E.E. Esta informação instaura um certo distanciamento do
narrador, capaz, assim, de selecionar o que é relevante e de apresentar uma
maior objetividade.
Rui, o narrador, que assumidamente se confunde com o autor,
a propósito de um livro oferecido e de uma hipotética reportagem sobre a caça à
baleia nos Açores, aproveita para criar, numa linguagem muito coloquial, um
texto caleidoscópico de referências cinematográficas, musicais, literárias,
culturais, com uma bem humorada análise da natureza humana, nomeadamente, de
características do povo português. Os baleeiros açoreanos apresentam-se como
superiores a esse português tradicional, são uma espécie de heróis por serem
capazes de enfrentar o monstro marinho e, perante a deceção e o fracasso,
resistirem estoicamente: “Nada daquilo
que, seguindo a triste lenda, define o povo português: queixumes, queixinhas,
lamentos, ais, lágrimas, suspiros.” (p.112)
O livro conta a história de Rui e Ana, chamemos-lhes
repórteres, que, nos Açores conhecem o par Tom e Sharon, dono o primeiro e
capitã a segunda de um pequeno veleiro. Tom oferece um livro a Rui, livro este
de que vão surgindo extratos ao longo da obra, na qual se misturam estas três
camadas. Tudo a propósito de uma ida aos Açores para tentar saber se ainda se
caçava a baleia.
O narrador, aparentemente, aceita a caça à baleia quer como
tradição cultural açoriana, quer como a luta titânica do homem contra o
monstro, o qual frequentemente vence, perdendo, por vezes, vidas e embarcações.
No entanto esse narrador, que parece ser Rui Zink, afirma “Ignoro se este é o
meu ponto de vista.” (p. 114), não se assumindo portanto defensor da caça ao cetáceo.
O tempo da narrativa na generalidade é-nos apresentado de
forma cronológica, alternando as duas histórias e as citações do livro Biografia del Caribe, que Tom lhe
ofereceu. Há, no entanto, vários saltos, nomeadamente o início em que o
narrador afirma desconhecer o paradeiro e a sorte do par Tom / Sharon e do
veleiro errante, ensombrado por Nicole, nome do barco em honra à falecida
esposa de Tom, começando, portanto, pelo fim.
Como desfecho, depois de muitas perguntas que ficam sem
resposa, ao contrário do que é sugerido na contracapa em que se afirma “…boas
perguntas às quais A Espera responde.
Enfim, mais ou menos.”, conclui-se com uma bem mais difícil de responder, a não
ser com aquilo para que objetivamente serviu na novela[1]: “Para que serve um livro? […] Um livro serve
para nos protegermos do mundo.” (p. 149)
Ainda bem que o narrador / autor reconhece “Tenho uma certa tendência para o exagero.”
(p. 110)
ZINK, Rui. A Espera.
Teorema, 2007.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Idealmente, discorde, comente, esclareça a interpretação do texto ou livro em apreço.