Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O ÚLTIMO ESPECTÁCULO, Manuel do Nascimento



Manuel do Nascimento nasceu em Monchique (onde a Escola Básica 2,3 ostenta o seu nome) em 1912 e faleceu em 1966. Trabalhou numa mina. Contatou com a realidade e apercebeu-se de que esta era bem diferente da idealização que dela se fazia. O conflito que existe dentro de si reflete-se nos seus contos.
O seu estilo e temáticas, pela crítica social e pelos protagonistas, podem inserir-se na corrente literário do neorrealismo, no entanto apresenta uma profusão de figuras de estilo[1] que aquela corrente depurou em grande parte.
O livro revela-se fácil de ler e em alguns momentos lembra contos de Manuel da Fonseca.

O último espectáculo é um livro de contos de 1955 que começa com o conto homónimo.
O título refere-se a um espetáculo de circo. Trata uma realidade comum na 1.ª metade do séc. XX: o circo ambulante, pobre e esfarrapado, mas cujo dono já viveu momentos de glória.
O dono, alcoólico, não faz dinheiro suficiente para pagar aos artistas, sonha com o passado, enquanto aqueles ameaçam deixá-lo se não receberem o que lhes é devido.
O narrador de 3.ª pessoa (heterodiegético) aproveita para generalizar sobre: as crianças exploradas e famélicas; a equilibrista bonita pronta para fugir dali, assim que algum homem lhe acene com uma perspetiva, ou ilusão, de futuro; o trapezista jovem e conflituoso. Tudo isto inserido numa perspetiva geográfica e social, ainda que não identificada, se infere sem a do Alentejo, em que muitos dos que veem o circo julgam que esses é que levam uma vida boa.

NADA DE IMPORTÂNCIA
Aqui, o narrador de 1.ª pessoa (autodiegético), engenheiro numa mina, conta o seu desagrado pela situação dos mineiros: condições de vida e trabalho. A sua angústia vai-se avolumando com a recordação de vários problemas ocorridos, redimida no final, quando é possível salvar alguns mineiros soterrados numa derrocada.
De qualquer modo a escolha do narrador autodiegético é um pouco forçada porque, no fim, não se justifica que o conto acabe sem resolver a situação que narra (narrativa aberta).

O VIZINHO
Narrador de 1.ª pessoa (homodiegético), testemunha que vai contando o que vê e sobre isso reflete.
Retrata a miséria dos trabalhadores braçais de sol a sol, vivendo em grandes famílias em casebres insalubres, alguns minados de doenças, capazes de, como nos dias que correm outros pobres comem o que encontram no lixo, comer o que aqueles com melhor sorte – a família do narrador – tinham colocado no balde dos porcos.

SAPO E LAGARTO
«-Sapo e Lagarto, o meu pai matou um porco.»
Motete com que os rapazes abusam de um pobre, ainda mais pobre do que eles, evidenciando a crueldade de um povo que se vinga naqueles que julga inferiores das ofensas daqueles que vê como superiores.
«As pragas que devem atirar-se ao tempo, à terra e à vida caem todas sobre os ombros fracos do velho.» (p.92). Veja-se que em nenhum momento se materializa a responsabilidade em outros homens. Medo ou consciência da censura?
Por fim, num dia de trabalho extenuante, quando o pobre velho, objeto de todo o gozo, aparece e o povo exausto não o invetiva, ele estranha e «descarrega contra si mesmo o veneno que trazia lá dentro…» (p. 94).

RESPEITA A MINHA DOR
Maria da Luz, casada há seis anos, aborrece a vida monótona que leva, a rotina da sua relação matrimonial. Conhece um pintor que encarna o seu ideal de amor. Encontra-se com ele algumas vezes e, então, decide-se acabar com o marido. Quando o confronta, incapaz de lhe revelar a sua relação com o pintor, queixa-se da vida que ele lhe dá. Este não a compreende, pois faz-lhe todas as vontades. Pensa que estará doente, que são nervos.
Ele deixa-a sozinha. Ela chora. Quando regressa à realidade, revê a sua vida, olha para «a pulseira cravejada de diamantes» e murmura: «-O António [marido] tem razão. São os nervos, os nervos malditos. Sim, devo ir ao médico.»
Nota: o título refere-se a uma frase marcante da carta que começa a escrever ao pintor para lhe dizer que não o verá mais. Mas destrói essa carta considerando que não lhe deve nenhuma justificação.

A FUGA
Um miúdo, com 10 anos, tendo vivido sempre em grande isolamento, um dia vai à feira da vila.
Vem de lá deslumbrado, só pensa no que viu, descura o trabalho de ajuda à família: sonha.
Pouco tempo depois, de madrugada foge e enceta o caminho para a vila, maravilhado por tudo ser novidade. Porém, quando chega à vila deserta – “como tudo estava diferente do dia de feira”-, procurou um homem que lhe oferecera trabalho e, de imediato, começou a trabalhar. Trabalho demasiado pesado para uma criança a troco de umas papas de milho e “toda a água que quisesse beber.”
Lembra o provérbio inglês “Out of the frying pan, into the fire.”

SILÊNCIO ESFARPADO
Contrabando. A primeira vez: medo, ansiedade, angústia. Como tudo corre bem vem a alegria pelo sucesso e o pagamento das dívidas.
Outra vez conduz as mulas com o sócio pelos ermos. Tudo vai correndo bem até que a situação de desafogo conseguida se torna notada e suscita a inveja do povo.
Prenúncio de desgraça. Agora é já de automóvel que a mercadoria viaja. A guarda está alerta e manda parar o carro. Eles não param, A guarda dispara e fere o companheiro.
Pensa livrar-se do sócio, mas decide esconder a mercadoria e levá-lo ao hospital.
Parece ser a sua oportunidade de arrepiar caminho, mas começa a pensar já ser dono de todo o negócio: «-Desta vez será tudo meu!»
Da necessidade à cobiça, à ambição desmedida.

A ESPERANÇA VOLTOU DE MANHÃ
Retrata o problema das cheias, o medo de perder as colheitas.
Até que de manhã para a chuva o casal protagonista se dirige à leira das batatas e constata que tinham escapado. Esta pequena alegria leva à aceitação e superação das suas dificuldades.

SUSPEITA
Isa acha estranho o comportamento do marido.
Ele reflete, sente-se culpado, porque se interessou por outra mulher, com a qual se encontrou algumas vezes em contexto de trabalho. Depois passaram um dia juntos. Ele pensa que tem de contar à mulher, Isa, mas mais tarde, com distanciamento.

Alguns exemplos de recursos estilísticos usados:
«casas… beijando o pó da estrada.»
«um homem… que a roubasse àquela miséria.»
«[Nina e a irmã] lembravam dois pequenos náufragos à deriva num mar encapelado.»
«As casas da curva da estrada lembram um harmónio velho apertado nos joelhos de quem lhe preme as teclas.»
«D. Luz tinha passado a noite numa insónia doce.»


[1] Alguns exemplos no fim.

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