Manuel do Nascimento
nasceu em Monchique (onde a Escola Básica 2,3 ostenta o seu nome) em 1912 e
faleceu em 1966. Trabalhou numa mina. Contatou com a realidade e apercebeu-se
de que esta era bem diferente da idealização que dela se fazia. O conflito que
existe dentro de si reflete-se nos seus contos.
O seu estilo e temáticas, pela crítica social e pelos
protagonistas, podem inserir-se na corrente literário do neorrealismo, no
entanto apresenta uma profusão de figuras de estilo[1] que
aquela corrente depurou em grande parte.
O livro revela-se fácil de ler e em alguns momentos lembra
contos de Manuel da Fonseca.
O último espectáculo
é um livro de contos de 1955 que começa com o conto homónimo.
O título refere-se a um espetáculo de circo. Trata uma
realidade comum na 1.ª metade do séc. XX: o circo ambulante, pobre e
esfarrapado, mas cujo dono já viveu momentos de glória.
O dono, alcoólico, não faz dinheiro suficiente para pagar
aos artistas, sonha com o passado, enquanto aqueles ameaçam deixá-lo se não
receberem o que lhes é devido.
O narrador de 3.ª pessoa (heterodiegético) aproveita para
generalizar sobre: as crianças exploradas e famélicas; a equilibrista bonita
pronta para fugir dali, assim que algum homem lhe acene com uma perspetiva, ou
ilusão, de futuro; o trapezista jovem e conflituoso. Tudo isto inserido numa
perspetiva geográfica e social, ainda que não identificada, se infere sem a do
Alentejo, em que muitos dos que veem o circo julgam que esses é que levam uma
vida boa.
NADA DE IMPORTÂNCIA
Aqui, o narrador de 1.ª pessoa (autodiegético), engenheiro
numa mina, conta o seu desagrado pela situação dos mineiros: condições de vida
e trabalho. A sua angústia vai-se avolumando com a recordação de vários
problemas ocorridos, redimida no final, quando é possível salvar alguns
mineiros soterrados numa derrocada.
De qualquer modo a escolha do narrador autodiegético é um
pouco forçada porque, no fim, não se justifica que o conto acabe sem resolver a
situação que narra (narrativa aberta).
O VIZINHO
Narrador de 1.ª pessoa (homodiegético), testemunha que vai
contando o que vê e sobre isso reflete.
Retrata a miséria dos trabalhadores braçais de sol a sol,
vivendo em grandes famílias em casebres insalubres, alguns minados de doenças,
capazes de, como nos dias que correm outros pobres comem o que encontram no
lixo, comer o que aqueles com melhor sorte – a família do narrador – tinham
colocado no balde dos porcos.
SAPO E LAGARTO
«-Sapo e Lagarto, o meu pai matou um porco.»
Motete com que os rapazes abusam de um pobre, ainda mais
pobre do que eles, evidenciando a crueldade de um povo que se vinga naqueles
que julga inferiores das ofensas daqueles que vê como superiores.
«As pragas que devem
atirar-se ao tempo, à terra e à vida caem todas sobre os ombros fracos do
velho.» (p.92). Veja-se que em nenhum momento se materializa a
responsabilidade em outros homens. Medo ou consciência da censura?
Por fim, num dia de trabalho extenuante, quando o pobre
velho, objeto de todo o gozo, aparece e o povo exausto não o invetiva, ele
estranha e «descarrega contra si mesmo o
veneno que trazia lá dentro…» (p. 94).
RESPEITA A MINHA DOR
Maria da Luz, casada há seis anos, aborrece a vida monótona
que leva, a rotina da sua relação matrimonial. Conhece um pintor que encarna o
seu ideal de amor. Encontra-se com ele algumas vezes e, então, decide-se acabar
com o marido. Quando o confronta, incapaz de lhe revelar a sua relação com o
pintor, queixa-se da vida que ele lhe dá. Este não a compreende, pois faz-lhe
todas as vontades. Pensa que estará doente, que são nervos.
Ele deixa-a sozinha. Ela chora. Quando regressa à
realidade, revê a sua vida, olha para «a pulseira cravejada de diamantes» e
murmura: «-O António [marido] tem razão. São os nervos, os nervos malditos.
Sim, devo ir ao médico.»
Nota: o título refere-se a uma frase marcante da carta que
começa a escrever ao pintor para lhe dizer que não o verá mais. Mas destrói
essa carta considerando que não lhe deve nenhuma justificação.
A FUGA
Um miúdo, com 10 anos, tendo vivido sempre em grande
isolamento, um dia vai à feira da vila.
Vem de lá deslumbrado, só pensa no que viu, descura o trabalho
de ajuda à família: sonha.
Pouco tempo depois, de madrugada foge e enceta o caminho
para a vila, maravilhado por tudo ser novidade. Porém, quando chega à vila
deserta – “como tudo estava diferente do dia de feira”-, procurou um homem que
lhe oferecera trabalho e, de imediato, começou a trabalhar. Trabalho demasiado
pesado para uma criança a troco de umas papas de milho e “toda a água que
quisesse beber.”
Lembra o
provérbio inglês “Out of the frying pan, into the fire.”
SILÊNCIO ESFARPADO
Contrabando. A primeira vez: medo, ansiedade, angústia.
Como tudo corre bem vem a alegria pelo sucesso e o pagamento das dívidas.
Outra vez conduz as mulas com o sócio pelos ermos. Tudo vai
correndo bem até que a situação de desafogo conseguida se torna notada e suscita
a inveja do povo.
Prenúncio de desgraça. Agora é já de automóvel que a
mercadoria viaja. A guarda está alerta e manda parar o carro. Eles não param, A
guarda dispara e fere o companheiro.
Pensa livrar-se do sócio, mas decide esconder a mercadoria
e levá-lo ao hospital.
Parece ser a sua oportunidade de arrepiar caminho, mas
começa a pensar já ser dono de todo o negócio: «-Desta vez será tudo meu!»
Da necessidade à cobiça, à ambição desmedida.
A ESPERANÇA VOLTOU DE MANHÃ
Retrata o problema das cheias, o medo de perder as
colheitas.
Até que de manhã para a chuva o casal protagonista se
dirige à leira das batatas e constata que tinham escapado. Esta pequena alegria
leva à aceitação e superação das suas dificuldades.
SUSPEITA
Isa acha estranho o comportamento do marido.
Ele reflete, sente-se culpado, porque se interessou por
outra mulher, com a qual se encontrou algumas vezes em contexto de trabalho.
Depois passaram um dia juntos. Ele pensa que tem de contar à mulher, Isa, mas
mais tarde, com distanciamento.
Alguns exemplos de recursos estilísticos usados:
«casas… beijando o pó da estrada.»
«um homem… que a roubasse àquela miséria.»
«[Nina e a irmã] lembravam dois pequenos náufragos à deriva
num mar encapelado.»
«As casas da curva da estrada lembram um harmónio velho
apertado nos joelhos de quem lhe preme as teclas.»
«D. Luz tinha passado a noite numa insónia doce.»
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