Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


sábado, 1 de agosto de 2015

QUE IMPORTA A FÚRIA DO MAR, Ana Margarida de Carvalho


            Primeiro romance da autora, filha do extraordinário escritor Mário de Carvalho, e que, de acordo com a informação incluída na badana, é licenciada em Direito, jornalista premiada, crítica cinematográfica, cronista e dramaturga.
            Este livro apresenta um número reduzido de personagens. Apenas o suficiente para a economia da narrativa, sendo que há duas personagens principais, cuja história, inicialmente, é apresentada de forma alternada: a de Joaquim, sobrevivente do campo de detenção do Tarrafal, e a de Eugénia, jornalista que quer contar a história de vida do primeiro. Posteriormente, as duas histórias fundem-se na narração de Eugénia que, na busca para compreender Joaquim se transfigura, encarnando mesmo em determinados momentos a idealização da amada de Joaquim, Luísa.
            Apresenta um estilo muito interessante, algumas vezes muito perto da poesia, principalmente nos capítulos introdutórios em que a história é vista numa perspectiva rasteira, perto do chão, onde jaz o maço de cartas de amor que Joaquim escrevera à sua amada, e que atirara pela janela do comboio, na viagem que o haveria de levar à deportação.
            A autora revela grande erudição nas múltiplas citações de cultura, abrindo a sua obra à intertextualidade. Reconhecem-se facilmente citações de Camões, Fernando Pessoa, Mário Sá Carneiro…, algumas identificadas, outras não. A nível da utilização da linguagem rebela-se contra o uso de lugares-comuns, do «cliché», no entanto reconhece-lhe o valor no estabelecimento de uma relação de empatia com o leitor, portanto não o irradica por completo do seu discurso, consciente da sua utilidade. Por outro lado, defende a verosimilhança e, no entanto, quanto a mim, é dificilmente crível, não a história de Joaquim, mas sim que da relação que estabelece com esse homem doente, algo demente, pudesse ser inferido aquilo que fica relatado.
            Ainda assim a história é extraordinária e muito bem contada, sendo que os indícios que foram sendo introduzidos ao longo das duas histórias, vêm a verificar-se. A surpresa pelo fim é apenas aparente pois, muito atrás, ficou implicito que ao mensageiro do amor se paga com amor.
            O título parece indicar que a história de Eugénia é mais importante do que a de Joaquim. O mar que marcou a sua infância em casa dos tios, um tio e duas tias, não é o mesmo que leva Joaquim ao Tarrafal.

Transcreve-se da contra-capa:
“Numa madrugada de 1934, um maço de cartas é lançado de um comboio em andamento por um homem que deixou uma história de amor interrompida e leva uma estilha cravada no coração. Na carruagem, além de Joaquim, viajam os revoltosos do golpe da Marinha Grande, feitos prisioneiros pela Polícia de Salazar, que cumprem a primeira etapa de uma viagem com destino a Cabo Verde, onde inaugurarão o campo de concentração do Tarrafal.
Dessas cartas e da mulher a quem se dirigiam ouvirá falar muitos anos mais tarde Eugénia, a jornalista encarregada de entrevistar um dos últimos sobreviventes desse inferno africano e cuja vida, depois do primeiro encontro com Joaquim, nunca mais será a mesma. Separados pelo tempo, pelo espaço, pelos continentes, pela malária e pelo arame farpado, os destinos de Joaquim e Eugénia tocar-se-ão, apesar de tudo, no pêlo de um gato sem nome que ambos afagam e na estranha cumplicidade com que partilham memórias insólitas, infâncias sombrias e amores decididamente impossíveis.”

Este romance foi finalista do Prémio Leya em 2012 e ganhou em 2014 o Grande Prémio de Romance e Novela APE.

CARVALHO, Ana Margararida de. Que importa a fúria do mar. Teorema, 2013.

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