Primeiro romance da autora, filha do
extraordinário escritor Mário de Carvalho, e que, de acordo com a informação incluída
na badana, é licenciada em Direito, jornalista premiada, crítica
cinematográfica, cronista e dramaturga.
Este livro apresenta um número reduzido
de personagens. Apenas o suficiente para a economia da narrativa, sendo que há
duas personagens principais, cuja história, inicialmente, é apresentada de
forma alternada: a de Joaquim, sobrevivente do campo de detenção do Tarrafal, e
a de Eugénia, jornalista que quer contar a história de vida do primeiro.
Posteriormente, as duas histórias fundem-se na narração de Eugénia que, na
busca para compreender Joaquim se transfigura, encarnando mesmo em determinados
momentos a idealização da amada de Joaquim, Luísa.
Apresenta um estilo muito
interessante, algumas vezes muito perto da poesia, principalmente nos capítulos
introdutórios em que a história é vista numa perspectiva rasteira, perto do
chão, onde jaz o maço de cartas de amor que Joaquim escrevera à sua amada, e
que atirara pela janela do comboio, na viagem que o haveria de levar à
deportação.
A autora revela grande erudição nas
múltiplas citações de cultura, abrindo a sua obra à intertextualidade.
Reconhecem-se facilmente citações de Camões, Fernando Pessoa, Mário Sá
Carneiro…, algumas identificadas, outras não. A nível da utilização da
linguagem rebela-se contra o uso de lugares-comuns, do «cliché», no entanto
reconhece-lhe o valor no estabelecimento de uma relação de empatia com o
leitor, portanto não o irradica por completo do seu discurso, consciente da sua
utilidade. Por outro lado, defende a verosimilhança e, no entanto, quanto a
mim, é dificilmente crível, não a história de Joaquim, mas sim que da relação
que estabelece com esse homem doente, algo demente, pudesse ser inferido aquilo
que fica relatado.
Ainda assim a história é
extraordinária e muito bem contada, sendo que os indícios que foram sendo
introduzidos ao longo das duas histórias, vêm a verificar-se. A surpresa pelo fim
é apenas aparente pois, muito atrás, ficou implicito que ao mensageiro do amor
se paga com amor.
O título parece indicar que a
história de Eugénia é mais importante do que a de Joaquim. O mar que marcou a
sua infância em casa dos tios, um tio e duas tias, não é o mesmo que leva
Joaquim ao Tarrafal.
Transcreve-se da contra-capa:
“Numa madrugada de 1934, um maço de cartas é lançado de um
comboio em andamento por um homem que deixou uma história de amor interrompida
e leva uma estilha cravada no coração. Na carruagem, além de Joaquim, viajam os
revoltosos do golpe da Marinha Grande, feitos prisioneiros pela Polícia de
Salazar, que cumprem a primeira etapa de uma viagem com destino a Cabo Verde,
onde inaugurarão o campo de concentração do Tarrafal.
Dessas cartas e da mulher a quem se dirigiam ouvirá falar
muitos anos mais tarde Eugénia, a jornalista encarregada de entrevistar um dos
últimos sobreviventes desse inferno africano e cuja vida, depois do primeiro
encontro com Joaquim, nunca mais será a mesma. Separados pelo tempo, pelo
espaço, pelos continentes, pela malária e pelo arame farpado, os destinos de
Joaquim e Eugénia tocar-se-ão, apesar de tudo, no pêlo de um gato sem nome que
ambos afagam e na estranha cumplicidade com que partilham memórias insólitas,
infâncias sombrias e amores decididamente impossíveis.”
Este romance foi finalista do Prémio Leya em 2012 e ganhou
em 2014 o Grande Prémio de Romance e Novela APE.
CARVALHO, Ana Margararida de. Que importa a fúria do mar. Teorema, 2013.
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