Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


quinta-feira, 26 de junho de 2014

AS PRIMEIRAS EDIÇÕES, de James Stoddard



Como seria interessante para um bibliófilo possuir o único exemplar de um livro, uma autobiografia a que nada fora escamoteado? Como seriam homens ou mulheres transformados em livros?!
A ideia para este história, segundo uma entrevista dada pelo autor, surge após a leitura de um anúncio à saída de uma biblioteca: “If I were a book, I’d be a library book so I could meet a lot of people.”  (Se eu fosse um livro, seria um livro de biblioteca de forma a poder conhecer muita gente.)
Este conto apresenta-nos um feiticeiro, Yon Diedo, colecionador de primeiras edições de livros raros. Mas na sua biblioteca há ainda uma secção em que os livros são tão raros que são  exemplares únicos, não têm título, a lombada apenas menciona o escritor, ou assim o julgou Jakob Mamolok, ele próprio também amante de livros raros.
Quando Mamolok, que é o narrador, se interroga sobre esta estranheza é transformado em livro:

A minha visão tornou-se instável. Dei por mim jazendo de costas na cadeira, a minha cabeça ao nível dos joelhos de Diedo. Rindo, aproximou-se de mim, a mão tateante cobriu minha visão.
Então ele pegou-me e segurou-me nas suas mãos. Encontrei-me a olhar para os seus pés, incapaz de lhe ver o rosto.
[…]
Senti a pressão das suas mãos sobre os meus lados. E então ele abriu-me. Ouvi um suave rangido, o ligeiro restolho de folhear o papel. Meio apatetado percebi que me tinha transformado num livro. (Tradução livre[1].)

Os homens e mulheres transformados em livros mantinham um olho na lombada, o que lhes permitia ver, e podiam falar uns com os outros com pequenas vozes quase inaudíveis e também ler os exemplares contíguos, se a isso fossem autorizados.
Mamolok, depois de uma permanência que se percebe não ser muito longa[2], leva a biblioteca a rebelar-se contra o feiticeiro. Finalmente consegue que este prometa a sua libertação e a de um outro livro à sua escolha.
O feiticeiro mantém a sua promessa e, aparentemente, aos poucos vai-se livrando da sua obsessão, pois cerca de 40 anos mais tarde o narrador encontra a Contessa du Maurier, que fora uma das suas «amigas» enquanto ambos eram primeiras edições.

Não sei se está traduzido em português. A história é, sem dúvida, mais interessante para bibliófilos. Também eu procuro primeiras edições, mas sem qualquer obsessão: são caras e, na verdade, importa mais o texto que o objeto.
Naturalmente o texto critica qualquer obsessão, principalmente pela raridade, pelo dinheiro ou pela beleza, que neste conto são simbolizados respetivamente por Diedo, Mamolok e pela Contessa.


STODDARD, James. The First Editions, in Fantasy & Science Fiction, April 2008.


[1] My sight grew unsteady. I found myself lying on my back in the chair my head level with Yon Diedo’s knees. Chuckling, he reached toward me, his groping hand covering my vision.
Then Yon Diedo picked me up and held me in his grasp. I found myself looking as his feet, unable to see his face. […]
I felt the pressure of his hands upon my sides. And then he opened me. I heard a soft creaking, the slight shuffling of paper. With numb horror I realized I had transformed into a book.
[2] Quando é libertado, pode retomar a sua vida. Já tal não sucede com a Contessa.

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