As Viagens na minha
terra de Almeida Garrett começam geralmente com a seguinte epígrafe:
“Qu’il est glorieux d’ouvrir une nouvelle carrière et de
paraître tout-à-coup dans le monde savant, un livre de découvertes à la main,
comme une comète dans l’espace!
Este é o primeiro parágrafo do opúsculo Viagem à roda do meu quarto de Xavier de
Maistre (1763-1852), em português:
«Como é
glorioso abrir uma carreira nova, e aparecer de repente no mundo sábio, com um
livro de descobertas na mão, à semelhança de um cometa inesperado que de
repente cintila no espaço!» (p.11)
De acordo com a “Notícia Biographica” deste pequeno livro,
publicado pela primeira vez em Turim em 1794 e depois em Paris em 1825, Xavier
de Maistre, de origem francesa e vivendo com a sua família no ducado de Sabóia[1], era já
oficial do exército quando esta foi reunida a França em 1792. X. de Maistre não
quis adquirir a nacionalidade francesa, combateu em Itália e depois na Rússia
onde chegou ao posto de general. Apesar de ter renegado a nacionalidade
francesa, foi em francês que escreveu a sua obra, que, na altura, teve grande
divulgação e aceitação em França.
De acordo com aquilo que o texto da obra afirma, esta
surgiu de uma espécie de detenção domiciliária por 42 dias em resultado de um
duelo, tantos dias quantos os capítulos do livro.
O livro, escrito numa linguagem simples e por vezes
ingénua, apresenta-nos, principalmente o conflito entre a racionalidade,
representada pela alma, e a
bestialidade, referida ora como a besta,
ora como a outra.
À medida que vai descrevendo o seu quarto, os objetos que o
integram e até o seu criado e a sua cadelinha, vai discorrendo com fina ironia
sobre os homens e a sociedade do seu tempo, chamando com frequência em seu
auxílio exemplos de autoridade do passado.
Algumas das estratégias que encontramos em Garrett foram já
aqui utilizadas, v.g., a propósito de uma imagem parte para uma digressão
filosófica; a interpelação frequente ao(s) leitor(es); críticas às atitudes e
comportamentos de pessoas com responsabilidades sociais em confronto com a
genuinidade e autenticidade do povo, nomeadamente na figura do seu criado; a
circularidade da narrativa.
Naturalmente o obra de Garrett tem outro fôlego, mas esta
serviu-lhe sem dúvida de inspiração. As propostas iniciais de ambos não diferem
muito na substância. Enquanto X. de Maistre convida o leitor a que o acompanhe
por onde a sua imaginação o levar, Garret propõe: «Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir,
de quanto pensar e sentir se há-de fazer crónica.» (1.º Cap.)
Penso que Garrett terá lido esta obra no francês original,
pois, consultada a Biblioteca Nacional, a primeira edição que aí está registada
é de 1888, embora o facto de referir que é a versão de Fernandes da Costa,
implicaria a existência de pelo menos outra.
Viagem á roda do meu quarto seguida da Expedição
nocturna á roda do meu quarto / por Xavier de Maistre ; versão de Fernandes
da Costa com uma noticia biographica do auctor. Lisboa: Casa Ed. David Corazzi,
1888.
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