Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


domingo, 5 de dezembro de 2010

A REGRA DE QUATRO, Ian Caldwell e Dustin Thompson

Uma vez que não se pretende contar a história, inclui-se a sipnose da contracapa:

“Princeton, Sexta-feira Santa de 1999. Dois finalistas
da prestigiada universidade encontram-se a um passo de resolver os mistérios da Hypnerotimachia Poliphili, um livro escrito por um nobre renascentista que manteve fascinados e intrigados os académicos desde o momento da sua publicação em1499. Para um deles, Tom Sullivan, a investigação constitui um vínculo com o seu passado e um obstáculo para a sua relação sentimental. Outro Paul Harris, converteu-a na sua relação de viver. Quando parece que a investigação fica novamente encalhada, aparece um diário que se considerava perdido e que contem dados cruciais para o seu desenvolvimento. Horas mais tarde, outro estudante implicado nas pesquisas aparece assassinado.”
“Este apaixonante romance combina o melhor suspense com uma brilhante reflexão filosófica. Através da investigação dos protagonistas o leitor mergulhará no fascinante mundo do Renascimento e assistirá a uma fiel recriação da vida das universidades de elite norte-americanas, até chegar a um desenlace surpreendente.”

O narrador e uma das personagens principais é Tom, Thomas Corelli Sullivan, de 22 anos, cujo pai fora professor universitário e investigador da obra à volta da qual se constrói toda a intriga.
Tom é um dos quatro estudantes que vivem juntos num alojamento universitário, sendo os outros: Gil, Preston Gilmore Rankin, presidente do clube Ivy, filho de um corretor da bolsa; Paul Harris, bolseiro, pobre e órfão, que conta com o auxílio de Richard Curry, mas que está ali por mérito próprio, pois é uma cabeça; harlie, rapaz negro de constituição atlética, prestável, filho de gente simples da classe média.
O romance vai muito para além da descrição da traquinice de um grupo de jovens. Surpreendentemente mostra determinação, capacidade de entreajuda e grande dedicação ao conhecimento e ao estudo na busca da compreensão de uma obra, aparentemente menor, e sem muito interesse a nível literário ou científico, do Renascimento italiano: Hypnerotimachia Poliphili, Aldus Manutius (ed.), cujo autor seria Francesco Colona.
Por outras palavras, impressiona, no mundo académico em que hoje vivemos, a capacidade de envolvimento numa actividade que basicamente procura o conhecimento, a resolução de um enigma, e que, para isso, é preciso adquirir um conjunto de saberes fantástico, pois passa pela leitura sistemática de quase tudo o que se escreveu antes da publicação (escrita) da Hypnerotimachia.
Outra vertente interessante da obra é a das relações humanas entre os quatro companheiros de quarto, os outros estudantes e as suas famílias. São-nos apresentados como muito independentes dos pais, demonstrando responsabilidade pelos seus actos por mais irreflectidos que sejam. Toda e qualquer incompetência recai basicamente sobre si mesmos.

Seguem-se citações de passagens que me agradaram:

“…uma convicção secreta que todos [os literatos] pareciam partilhar de que a vida tal como a conhecemos é uma visão imperfeita da realidade e de que só a arte, como uns óculos de ver ao perto, é capaz de corrigir esse defeito. Os eruditos e intelectuais com que eu convivi à mesa de jantar pareciam estar sempre animados de um certo rancor contra o mundo. Nunca conseguiam reconciliar-se com a ideia de que as nossas vidas não seguem a curva dramática que um bom autor constrói para um grande personagem literária.” p. 41-42
“A esperança é […] a melhor e última de todas as coisas. Sem ela, apenas existe o tempo. E o tempo empurra-nos pelas costas como uma força centrífuga, forçando-nos a afastarmo-nos para fora e para longe, até que nos lança no esquecimento.” p. 158

A respeito de Florença do séc. VX, cidade devassa (a escolha deste nome para a companheira do Frade, no nosso Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente, não foi ingénua), mas ao mesmo tempo fervilhando de sabedoria a todos os níveis: literatura, pintura, escultura…

“Nessa cidade […] tens tantos intelectuais reunidos que ninguém sabe o que há-de fazer com eles. Génios. Polímatos. Pensadores […]. Autodidactas que ensinaram a si próprios línguas antigas que ninguém mais conhece.” p. 221
“Todos juntos, numa pequena cidade, ao mesmo tempo […] cruzando-se uns com os outros nas ruas, […] conversando uns com os outros,  trabalhando em conjunto, competindo, influenciando e estimulando-se uns aos outros para irem mais longe do que conseguiriam ir sozinhos.[Ao mesmo tempo] o seu comportamento é perverso, a sua arte e a sua cultura são profanas, […] o governo é injusto.” p. 222

Finalmente uma palavra para os autores, eles próprios jovens de “vinte e poucos anos”, têm o cuidado de, numa nota no final do livro, explicar as inconsistências históricas e as liberdades literárias tomadas.