RUY BELO 1933 - 1978
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LUZ VIDEIRA
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Povoamento
No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera
In Aquele Grande Rio Eufrates.
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Espera
Ainda o pardal
Solta o seu canto a medo,
Mas já no ondular
Do arvoredo
Eu vi o despertar de um cio novo.
Também meu corpo todo
Por ti espera.
Quando vens, Primavera!
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Aparentemente
Ruy Belo dialoga com a primavera que está a chegar. Há, no entanto, um tu que
ama o eu no poema. E o título do poema é deveras intrigante.
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Como
no poema de Ruy Belo é um pássaro que anuncia a Primavera.
Mas
aqui há um apelo direto à fruição da vida e à consumação do amor.
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MIGUEL TORGA 1907 - 1995
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LUZ VIDEIRA
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São Leonardo da Galafura
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.
Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
in "Diário
IX"
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Galafura – São Leonardo
Não sonhei,
Vi.
Morava ali a Beleza
Nua, inteira,
Reino de assombro,
Sonho sem fronteira.
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Miguel
Torga canta-nos São Leonardo ao leme de um navio de pedra, a montanha, que se
desloca muito lentamente do cais humano em direção ao cais divino, lavrando
as ondas chãs de um rio de mosto de vinho fino, dito do Porto.
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Luz
Videira, no mesmo lugar, realça principalmente a assombrosa beleza do
miradouro natural, enfatizando a experiência através do verbo ver em oposição
ao sonhar. Mas acaba sonhando…
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Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária. Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.
domingo, 19 de fevereiro de 2017
DIÁLOGOS POÉTICOS?!
Etiquetas:
Luz Videira,
Miguel Torga,
Poesia,
Ruy Belo
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