Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

CAIPIRAS DA MINHA TERRA, Jurandyr Aguiar



Nas minhas deambulações pelas feiras de velharias encontrei um pequeno livro de poesia que me suscitou interesse apenas pelo facto de apresentar uma dedicatória do autor, sendo que esta é de 1972 e o livro é de 1957.

Não sabia o significado de caipira, para além do que se podia intuir de uma canção que diz “Sou caipira pira pora…” Fui ver. Significa então, segundo o dicionário da Porto Editora, “Que ou quem mora no campo, na roça.”
Comecei a ler os poemas e fiquei deslumbrado com a beleza da linguagem que, naturalmente, é a dos caipiras. Aparecem várias palavras que me lembra de ouvir aos meus avós e que hoje, aqui em Portugal, ninguém diz.
Os poemas são pequenas hostórias de uma vivência rural: uma delícia. Para além de um lado jocoso, apresenta uma vertente crítica muito marcada. Malícia, inveja, incompreensão, homens farristas e mulheres escravas…

Aqui fica uma das composições que  brinca com a consciência de que o caipira sabe que fala um português arrevesado. (p. 88-90)

PRU MOR-DE A MANIA

"- Já oviu falá no cachorro
Do Nho Juca, não, Trindade,
Que sírre quano êle manda?
Pois ói, é a pura verdade.

É só Nho J uca mandá,
E o dianho do cachorrinho
Sírre que dá gosto vê
Êle amostrá os dentinho!

Mai, otro dia, Don' Ana
(Que ocê sabe, é munto prosa,
Só pru que é porfessora)
Sôbe disso, e, de curiosa,

Mandô dizê pra Nho Juca
I na escola da fazenda,
Mai que levasse o cachorro:
Queria vê a "tar" prenda!

Nho Juca foi. E o cachorro
Feiz na escola um figurão!
Quem não gostô foi Don' Ana,
Pru que ficô cum carão…

Nho J uca falava: - Sirra,
E o cachorrinho sirria.
Don' Ana falava: "Ria"
E êle nem se mexia!…

A porfessora Don' Ana
Tem um modo de falá
Que a gente, ar-vêiz, num intende,
Quanto mai os alimá.

E é pru mor-de a mania
De istudá francêis, ingrêis,
Que essa gente da cidade
Fala má o portuguêis!"


AGUIAR, Jurandyr. CAIPIRAS DA MINHA TERRA. Edição de Autor. Impresso por Ind. Gráfica Bentivegna, São Paulo)