Como seria interessante para um bibliófilo possuir o único
exemplar de um livro, uma autobiografia a que nada fora escamoteado? Como
seriam homens ou mulheres transformados em livros?!
A ideia para este história, segundo uma entrevista dada pelo
autor, surge após a leitura de um anúncio à saída de uma biblioteca: “If I were
a book, I’d be a library book so I could meet a lot of people.” (Se eu fosse um livro, seria um livro de
biblioteca de forma a poder conhecer muita gente.)
Este conto apresenta-nos um feiticeiro, Yon Diedo, colecionador
de primeiras edições de livros raros. Mas na sua biblioteca há ainda uma secção
em que os livros são tão raros que são
exemplares únicos, não têm título, a lombada apenas menciona o escritor,
ou assim o julgou Jakob Mamolok, ele próprio também amante de livros raros.
Quando Mamolok, que é o narrador, se interroga sobre esta
estranheza é transformado em livro:
A
minha visão tornou-se instável. Dei por mim jazendo de costas na cadeira, a
minha cabeça ao nível dos joelhos de Diedo. Rindo, aproximou-se de mim, a mão
tateante cobriu minha visão.
Então
ele pegou-me e segurou-me nas suas mãos. Encontrei-me a olhar para os seus pés,
incapaz de lhe ver o rosto.
[…]
Senti
a pressão das suas mãos sobre os meus lados. E então ele abriu-me. Ouvi um suave rangido, o ligeiro restolho de
folhear o papel. Meio apatetado percebi que me tinha transformado num livro. (Tradução livre[1].)
Os homens e mulheres transformados em livros mantinham um
olho na lombada, o que lhes permitia ver, e podiam falar uns com os outros com
pequenas vozes quase inaudíveis e também ler os exemplares contíguos, se a isso
fossem autorizados.
Mamolok, depois de uma permanência que se percebe não ser
muito longa[2],
leva a biblioteca a rebelar-se contra o feiticeiro. Finalmente consegue que
este prometa a sua libertação e a de um outro livro à sua escolha.
O feiticeiro mantém a sua promessa e, aparentemente, aos
poucos vai-se livrando da sua obsessão, pois cerca de 40 anos mais tarde o narrador
encontra a Contessa du Maurier, que fora uma das suas «amigas» enquanto ambos
eram primeiras edições.
Não sei se está traduzido em português. A história é, sem dúvida,
mais interessante para bibliófilos. Também eu procuro primeiras edições, mas
sem qualquer obsessão: são caras e, na verdade, importa mais o texto que o
objeto.
Naturalmente o texto critica qualquer obsessão,
principalmente pela raridade, pelo dinheiro ou pela beleza, que neste conto são
simbolizados respetivamente por Diedo, Mamolok e pela Contessa.
STODDARD, James. The First Editions, in Fantasy & Science Fiction, April 2008.
[1] My sight grew unsteady. I found
myself lying on my back in the chair my head level with Yon Diedo’s knees.
Chuckling, he reached toward me, his groping hand covering my vision.
Then
Yon Diedo picked me up and held me in his grasp. I found myself looking as his
feet, unable to see his face. […]
I
felt the pressure of his hands upon my sides. And then he opened me. I heard a
soft creaking, the slight shuffling of paper. With numb horror I realized I had
transformed into a book.
[2]
Quando é libertado, pode retomar a sua vida. Já tal não sucede com a Contessa.